abraços e mais abraços

hoje, no seminário internacional sobre população em situação de rua, apresentei sobre os meus dois últimos anos no corra pro abraço, especificamente sobre a atuação na vara de audiência de custódia. falo de mim enquanto falo dos meus pares, daqueles que tornaram esse trabalho possível. de início, para além do diálogo com a justiça que torna tudo um tanto quanto nebuloso, é um grande desafio para uma equipe que sabe fazer o seu trabalho na rua, em contato com a cidade, passar a trabalhar cercada por paredes que carregam marcas e corredores que denunciam o tilintar das algemas que insistem em bater umas nas outras, fazendo ecoar um agudo que não vai embora. a potência do nosso trabalho está justamente aí, numa certa dança que insistimos, juntos, sempre juntos em fazer para habitar o lugar onde o que impera é a lei.

que lei é essa? 

ela está a serviço de quem?


o que sabemos fazer é cuidar, é olhar com dignidade, é reconhecer corpos e sujeitos e histórias e atravessamentos; é o que aprendemos no corra, é assim que a gente sabe fazer, onde quer que seja.


há cerca de três meses atrás, fiz a difícil escolha de sair do programa e, desde então, esse me parece o assunto a ser evitado nas rodas de conversa. simplesmente não consigo dizer muito. sozinha não é diferente: derramei poucas lágrimas, fiz algumas anotações, evitei pensar. guardei comigo algumas cartas endereçadas à pessoas queridas que não entreguei, acho que num esforço de me manter com algo, de me segurar em algum lugar.


ao longo da jornada de seis anos, me deparei com desafios das mais diversas ordens, mas nada tão imenso quanto o peso da despedida, os abraços e as lágrimas que se recusavam a ficar em mim em cada encontro em que anunciei a minha ida. hoje, apresentando sobre o corra sem a camisa do corra, falando desse lugar que já não mais estou, senti tudo de novo. um filme se passou na minha cabeça, a barriga embrulhou, o nó na garganta veio, todos os clichês se atualizaram e, enfim, chorei todas as lembranças, todas as saudades que habitam em mim.


toda e qualquer escrita será sempre um esforço de alcançar ao menos uma fração que seja a imensidão do que vivi. o corra me fez a profissional que sou, mas não o corra enquanto entidade e sim esse que é feito por gente, por pés, mãos e corações que fazem da barreira oportunidade de encontro e cuidado. guardo comigo o que escutei ao longo do caminho, tudo o que aprendi dos profissionais, colegas e amigos de jornada, todas as pessoas que acompanhei, atendi e sigo encontrando onde quer que eu vá.








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