vagalumes
As sobrevivências não prometem nenhuma ressurreição (haveria algum sentido em esperar de um fantasma que ele ressuscite?). Elas são apenas lampejos passeando nas trevas, em nenhum caso o acontecimento de uma grande “luz de toda luz”. Em A Divina Comédia, Dante Alighieri brinca com as disposições da luz para apontar de um lado para o seu excesso no paraíso e, de outro, para a sua escassez no inferno, onde breves lampejos se assemelham aos vagalumes. Na releitura feita pelo cineasta Pasolini, envolto pelo fascismo italiano em 1941, há uma inversão das relações entre os jogos de luz: os podres poderes se encontram a céu aberto, de modo a ofuscar toda e qualquer possibilidade de lampejos do contrapoder. Posto dessa forma, a aposta de Pasolini não é outra senão a de que há uma multidão de vagalumes e, juntos, eles têm uma potência avassaladora. Mas é preciso desejar vê-los.
Em plena treva, Pasolini buscava lampejos moventes de desejo. Em uma carta endereçada a um amigo de adolescência, conta do seu encontro com uma quantidade imensa de vagalumes, que se amavam e se procuravam em seus voos amorosos e suas luzes. Ainda que imerso em um momento político de exceção, encontrava na arte e na poesia possibilidades inventivas de enxergar na escuridão - uma vez que é nela onde os pirilampos se fazem vistos. A dança viva dos vagalumes se efetua justamente no meio das trevas.
E o que são eles? Onde encontrá-los? A relação dos lampejos frente a grande luz que paradoxalmente cega é semelhante ao horizonte e a imagem. A imagem recorta aquilo que se apresenta com toda a sua inteireza. Ela é, portanto, uma captura, um enquadramento. A imagem se dá num instante de ver, em um segundo, mais ou menos o tempo que é preciso a um vagalume para iluminar. A sua brevidade, no entanto, aponta não para uma fraqueza, efemeridade, mas para a potência das aberturas, das fissuras e rupturas frente ao que está posto. São os lampejos que insistem em aparecer, apesar de tudo.
Cito Matilde Campilho: E celebraríamos o mundo de qualquer forma, mesmo que para nossa triste sorte fôssemos os herdeiros de uma civilização em queda, em derrocada. Mesmo assim prestaríamos atenção ao vértice fluorescente que existe ainda escondido num dos lados da sorte. Somos herdeiros de uma terra em chama e a nossa descendência será feita de uma outra massa. A intermitência da imagem comporta toda a sua força que, ainda que passageira, pulsa viva. Mas não são todos que conseguem capturar o instante; como já dito: é preciso ter coragem e desejar ver os lampejos de esperança.
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